segunda-feira, 31 de maio de 2010

REALISMO FANTÁSTICO

“Estava mais angustiado, que um goleiro na hora do gol”...

Sem ainda ter cumprido todos os protocolos da vida adulta, que não os conjugais de nossas comunais opções e de todas as possibilidades, aí já embargadas, no desenrolar dos tempos entre os casais. Ora, como eu adorava berrar poemas simbolistas em francês, a esmo, trepado sobre os janelões de nossa casa, perdidos entre tantas dezenas de outros iguais, naquela imensa torre de pedra!

“Aí, um analista amigo meu, disse que desse jeito,
não vou ser feliz direito”...

Ah, uma filarmônica urbana de motores tremendo; buzinaços desafinados; velhas usurpadas, tropeçando em degraus; pivetes, trocando tiros com policiais. Ah, e os odores cancerígenos dos combustíveis, sacralizados às vistas das nossas “janelas postais”! Ah, bêbado, eu me imaginava após a queda do décimo-quarto e o povo - muito abaixo daquelas nuvens e a neblina suja, constante invasora dos nossos cômodos decadentes –, protegê-los-iam do mormaço, os seus olhos a espantar-se com o bater das minhas asas fantásticas, como num cenário dos “realistas maravilhosos” das novelas latinas.

“Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual”...

A fatalidade da primeira juventude, da falta de horários, de compromissos, o total abandono e o desleixo da faculdade. Eu lembro: já era Cult, no jornalismo, estudar Deleuze, Nietzsche e pós-estruturalismo.

“Deixando a profundidade de lado, eu quero ficar colado à pele dela noite e dia”...

Eu lhe vi no remanso do lirismo e nada, absolutamente, de filosofia, ciência ou literatura havia escrito!

“Fazendo tudo de novo, e dizendo sim à paixão, morando na filosofia”...

Aqueles ventos, aquém dos salões arejados de nosso apartamento, me molestavam as tardes ressaqueadas, você escrevia em diários amarelados, ouvindo algo existencialista – sempre Belchior, acho -, entre pilhas de livros espalhados. Cheiradaço, eu contemplava os ciclos dos meus arbítrios niilistas, agarrando-a para não desfalecer naquele meu toque doentio.

“Eu quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno.
Viver a divina comédia humana onde nada é eterno”...

E deixava-se repousada, permitindo que eu me acomodasse aflito, próximo à sua nuca, enquanto o seu olhar virava contrariamente em interlúdios que eu pouco entendia. Sua compreensão, só se permitia no tempo certo dos seus amores. Você, nessa época, já não era minha! Eu me imantava em sua fábula e deste segredo, sabia. Porém, eu não entrevia quem você pensava, entre o meu trágico abraço e o embaço de suas retinas.

“Enquanto houver espaço, corpo e tempo e algum modo de dizer não, eu canto”.



*Incidência da letra da música “A divina comédia humana”, de Belchior.

(http://www.youtube.com/watch?v=AQ9wHpK52aQ)



(RODRIGO DE OLIVEIRA)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

SILÊNCIO



Ora, brandia alado
no infortúnio do tempo.
Ora, desejo rechaçado,
e pensamento...

Ora, brandia
no rastro do vento...
Meu lenço...
Silêncio!


(RODRIGO DE OLIVEIRA)

terça-feira, 25 de maio de 2010

CÂNCER





Êmula brandura,
degenera-me
na intuição dum tempo infame,
falho, ungido, serrilhado.

Lúgubre labutação
da metástase insídia.

Rosáceos incautos explanados.
Faculdades esquivas, fractais,
recalcadas, oprimidas.

Lúgubre labutação
da metástase insídia.

Fendida argamassa
às cordas da alma embaciada,
moída.
Omissa!

Lúgubre labutação
da metástase insídia.

Doravante,
minha esquife no arrebol,
acatando podres vaidades.

Lúgubre labutação
da metástase insídia.

Doravante,
câncer!


(RODRIGO DE OLIVEIRA)

domingo, 23 de maio de 2010

ANJO INFERNAL




Eu queria um dia
Te pegar pela mão
Te levar para uma festa
Sensacional
Para todo mundo me perguntar
Quem é
Quem é
Quem é
Quem é
Esse anjo infernal.

E depois da festa
Você dançaria
Na manhã sangrenta
Em frente do mar
Com seu chapeuzinho vermelho
A cobrir seus lindos cabelos
Até o sono te desmaiar.

Mas eu já nem sei
Como é que pode
Nem como é que eu sinto
Nem como é que vê
Tanto amor.

Pra mim você caiu do céu
Numa grossa chuva de mel
E num disco voador.

Mas você é mesmo
Coisa de um mundo que entre nós
Ainda não surgiu.

Pedaço de estrela cadente
Presença do oriente
Na paisagem do Brasil.

Quando eu ouço bem à noite
As estrelas nos meus ouvidos
A murmurar
Vejo você na minha frente
É sem motivo
É de repente
E eu começo a chorar.


(JORGE MAUTNER E NELSON JACOBINA)

*FOTO DE LOU ANDREAS-SALOMÉ (1861-1937)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

PAIXÃO




Diz dormir o sono da Paixão.
Nem é tão jovem,
este meu coração!
Pois se eu parasse o tempo com a mão
e tão pura fosse minha intenção,
Amor não seria então.

Nem tão simples,
como folhas incolores,
voando em outonos ventosos pelo chão.
Não serias tu
- caucásica representação.
Não seria Amor.
Quem dirá Paixão?

Teu jornadear,
me aventa, ilusão!
Teu vestido
me desvela em sucção.

Sem demora,
me sujeito à tua nau
verdecida na amplidão.
Aí, meu Amor!
Talvez seja Paixão.



(RODRIGO DE OLIVEIRA)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

BAIXO MÉIER


Arena revitalizada aos que transviados, perfazem-se! Teatro periférico exposto às óticas e digressões desvencilhadas de verdades esteticistas e autônomas, marginadas na bela urbe anacrônica. Deveras, loucura esvoaçada e determinismos ausentes nessa prosa escrita por quem àquele piso, de pedras portuguesas, recorria nos meses nus de insônias e incertezas.
Já passara pelas tardes de xadrez. Perdeu-se, ganhou-se. No entanto, também beijou-se durante décadas - nessa praça incisiva -, mais de oito, dez ou seis. Pois o circo triste neste estudo é inferido. Apresenta-se num espetáculo indefinido, inclinado à imperfeição de desvarios, sem que o dê alguma fé; sem que no jogo da habitual capoeira, roqueiros se cortem, todavia, na fogueira se queimem em TRANSA e REZA FORTE! O McDonald´s aglutina um “bom metal” de ricos e pobres. Ninguém corre! System of a Down, Ratos de Porão, Sheik Tosado, Planet Hemp, Sepultura e Ozzy Osbourne. Não esquecendo do reggae, do “back”, The Wailers... Saudoso Bob Marley! Contanto, o sustento do mundo está naquele viés. Donde és? És prole do Méier que se repensa à posteriori. Sobretudo, o caos não há de parar, sendo que o show deve continuar!
Eu me sortia ao veneno agnóstico da aurora local, e sonhava virgem entre os panos, pêlos, buscando intransponíveis similitudes em seus variados cantos. Mas a incompreensão rebateu! Mas nos subúrbios da Central, lamúrias cometeram uma tela sórdida, uma dor insólita, e eu, um tanto quanto abstrato, vinha ao passeio público vestido por costureiros badalados. Méier, panorama dinâmico e ateu! Mas na vida, na luta, na porra-louquice, na pala, na curva, fodeu!

*ESSA É A HISTÓRIA DA MINHA VIDA, OU APENAS O DESABAFO DE UMA ÉPOCA.

(RODRIGO DE OLIVEIRA - 2004)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

CRENTES IDADES

Fantasiávamos anular às reminiscências
e nos desdobrar de vez em aliterações.

Trajávamos paixões,
afecções,
convicções...
Panfletando entre angústias, liras, sambas, grunges
e abstratas revoluções.

Debruçávamos em julgos,
acerca de concatenações semânticas,
das enferrujadas Laranjas Mecânicas.

Deslizando entre componentes,
diagramas, planos, cervejas,
cortes caóticos,
determinações imanentes...
Canoas de seda,
apontavam Chico Science e a Zumbizada!
Adoled:
uno e múltiplo,
girava.

Patrão aporrinhava,
enquanto a Caravana passava!

“Rodrigo, que amava Uísque e amava Miriam, que amava Política e amava Joana, que amava Bolas e amava Ecstasy e amava Adão, que amava Erva e amava à Gab, que amava o ‘Beira’ e amava Amélia, que amava Doce e amava Theo, que amava Chás e amava Hélio, que amava o Rafa, que amava o ‘Planet’ e amava os Livros e amava Lisa, que amava à Miriam e a Cocaína, que amavam à Lapa, que amava toda a Quadrilha”!


*BASEADO NO POEMA “QUADRILHA” DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE; NA MÚSICA “FLOR DA IDADE” DE CHICO BUARQUE E FRANCIS HIME; E NA OBRA DE GUILLES DELEUZE E FÉLIX GUATTARI.

http://www.youtube.com/watch?v=p9uz19TlD38 (Vídeo "A flor da idade")

quarta-feira, 12 de maio de 2010




Você,
filha do vento,
do tempo e da ilha.
Será proferida entre
águas ungidas,
as quais lhe rojarão
às pentápolis imperialistas,
e não tardará, suas róseas trovas,
transmutá-las à paisagísticas moradas
bem-aventuradas.

Você,
herdeira dos tornados,
dos épicos e arquipélagos
assomados de deleitosas geografias.

Você,
sublime aquele passo que faltou dar
e persista, sonhando cânticos profundos.
Sem que os tormentos do mundo,
venham-lhe armadilhar.



(RODRIGO DE OLIVEIRA)

quarta-feira, 5 de maio de 2010

PARA EVOCAR & MORRER



Morte,
mereças-me o quanto antes.
Tão logo venhas,
pois hoje resguardado
à resignação de tua hora,
ó Morte!..
Tua fêmea doença,
tua voz sibilar,
tua frágil dependência,
possa de mim,
se apossar.

Morte,
Louvo tua lenda
- contínuo ensejo!
E quando na agonia
da insípida eminência,
ao tardar já sou quimera,
nas guerrilhas da existência.
Coberto do teu zelo!



(RODRIGO DE OLIVEIRA)